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Brasília, DF, Brazil
Cláudia Falluh Balduino Ferreira é doutora em teoria literária e professora de literatura francesa e magrebina de expressão francesa na Universidade de Brasília. Sua pesquisa sobre a literatura árabe comunga com as fontes do sagrado, da arte, da história e da fenomenologia em busca do sentido e do conhecimento do humano.

segunda-feira, 23 de novembro de 2015

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NOUS SOMMES UN «PAYS HORS D’EUROPE» !

Par Tahar Ben Jelloun (@Tahar_B_Jelloun) le 19/11/2015 à 19h00

Taher Benjelloun - 2014
log/le-coup-de-gueule/nous-sommes-un-pays-hors-deurope

«Un pays hors d’Europe a permis la localisation des terroristes…» a déclaré M. Cazeneuve devant la presse. Ce pays, c’est le Maroc. Pourquoi le ministre de l’Intérieur français n’a pas cité nommément le Maroc ?
«Un pays hors d’Europe a permis la localisation des terroristes…», a déclaré M. Cazeneuve devant la presse. Ce pays, c’est le Maroc. Pourquoi le ministre de l’Intérieur français n’a pas cité nommément le Maroc ? Est-ce pour le protéger où parce qu’il ne fallait pas dévoiler les services de renseignements qui ont apporté une grande aide à la France? Peut-être aussi parce que le «cerveau» des attentats est d’origine marocaine. Il est né en Belgique et du Maroc il n’avait rien appris ni retenu.
 
Voilà, nous sommes un pays «hors d’Europe». Le terrorisme ne fait pas de différence entre l’Europe et le Maghreb. Il frappe où il peut. Il se trouve que le Maroc résiste bien et que les cellules de jihadistes candidats au meurtre et à la mort sont souvent démantelées et les individus arrêtés. Il a fallu que la France décrète l’état d’urgence et donne beaucoup de pouvoir à la police pour que des assassins soient abattus ou arrêtés. Ce pays «hors d’Europe» est en état d’alerte permanent. Il sait de quoi sont capables ces individus au cerveau lavé et retourné, aux valeurs anéanties et remplacées par la soif du Mal.
 
On sait aussi que les soldats de Daech s’en prennent en priorité aux musulmans tranquilles, ceux qui pratiquent un islam paisible et qui ont reçu une éducation où l’intelligence et la modération vont bien ensemble.  C’est cet islam de la raison et de la civilisation que Daech et ses mercenaires cherchent à détruire. Il faut dire que cette armée composée d’anciens officiers supérieurs de Saddam et de Kadhafi a reçu pas mal d’argent d’hommes fortunés qataris ou saoudiens. Au Qatar et en Arabie Saoudite c’est le rite wahhabite qui est suivi, un rite qui applique la charia à la lettre : lapidation des femmes, mains des voleurs coupées, opposants condamnés à avoir la tête tranchée en public, un simple blogueur fouetté, etc. Cet islam-là n’est pas le nôtre et en aucun cas le peuple marocain ne se reconnaîtrait dans ce wahhabisme qui nie les droits de la femme et tient l’homme pour une fourmi.
 
Le pays «hors d’Europe» entretient de bonnes relations avec cette Europe qui a préféré grossir à l’Est et ne pas regarder vers le Sud. Des pays de l’Est sont aujourd’hui européens, dirigés en majorité par des partis d’extrême droite qui font de la haine de l’islam leur obsession et leur moyen de propagande. Cette Europe fonctionne mal ; elle trouve plus de complicité avec des pays comme le Maroc ou la Tunisie qu’avec la Hongrie ou la Pologne. Et ce n’est pas la police de ces pays qui donnerait des renseignements précieux à la France en lutte contre le terrorisme.

Mais nous n’allons être susceptibles. L’important, c’est que cette lutte est globale, elle concerne tous les pays où la culture et la civilisation sont visées par des jihadistes dont l’ignorance n’a d’égale que leur brutalité.
 

terça-feira, 18 de agosto de 2015



Rentrée littéraire : Boualem Sansal et le Big Brother islamique

Chaque jour, Le Point.fr vous fait découvrir le meilleur de la rentrée littéraire. Aujourd'hui, "2084" de Boualem Sansal.

Publié le  | Le Point.fr
Rentrée littéraire : Boualem Sansal et le Big Brother islamique
CBoualem Sansal a décidément bien du courage. Et de la ressource. Après avoir essuyé des menaces de la part du Hamas parce qu'il se rendait à un salon du livre à Jérusalem, après avoir perdu son métier à cause de ses prises de position contre le pouvoir algérien, et avoir vu son livre Poste restante : Alger censuré par le régime, après avoir fait le parallèle entre islamisme et nazisme dans Le Village de l'Allemand, l'écrivain algérien ose se mettre dans les pas de George Orwell, l'auteur de l'indépassable 1984, avec son nouveau roman. 2084.

terça-feira, 5 de maio de 2015

Le Prix Goncourt 2015 é argelino!

Caríssimos leitores

Foi com imensa satisfação que soube da premiação do escritor argelino, jornalista de formação Kamel Daoud, 44 anos. É a primeira vez que o prestigioso prêmio é concedido a um escritor argelino. Mais uma vez a literatura magrebina encontra seu devido lugar no panteão dos geniais com o livro Mersault, contre-enquête,. 

  
"Dans cet ouvrage, Kamel Daoud, journaliste auQuotidien d'Oran, raconte l'histoire du frère de l'Arabe tué par Meursault, dans L'étranger de Camus, qui a soif de reconnaissance cinquante ans après les faits, dans l'Algérie contemporaine. L'écrivain a également remporté le prix des Cinq continents de la francophonie 2014 pour ce premier roman. "Vous êtes un écrivain rare car vous vous exposez à la corne acérée du taureau.", a déclaré Régis Debray, membre de l'Académie Goncourt, en remettant son prix à Kamel Daoud. "Vous avez rapatrié L'étranger dans votre culture et fait de Camus un écrivain indigène. Nous allons rapatrier votre enquête dans notre littérature.", a t-il ajouté." (http://www.livreshebdo.fr/article/lacademie-goncourt-regroupe-la-proclamation-de-trois-de-ses-prix) :


A Síria e a literatura: diálogos civilizacionais. Vozes, culturas e literaturas árabes.


Estimados leitores do Blog Literatura Magrebina Francófona.

No dia  15 de abril o grupo de Estudos Literários Magrebinos Francófonos recebeu na Universidade de Brasília o Embaixador da Síria, Dr. Ghassan Nseir. Foi uma excelente ocasião para conhecermos muitas verdades sobre a Síria, país muito querido que hoje sofre dramaticamente as consequencias de uma destruição regulada e covarde, da parte de grupos extremistas financiados, hélas, por potências ocidentais...O encontro contou com a presença do nosso Reitor, Dr. Ivan Marques de Toledo e de outras autoridades representativas do povo brasileiro e que apoiam a nação síria. Mas os nossos grandes convidados foram os estudantes da Universidade de Brasília, que lotaram o evento com suas queridíssimas auras de juventude e atenção! Jovens de diversos cursos complementaram este encontro com perguntas importantes e um legítimo interesse pelo tema. A meu ver, isso indica que uma geração está passando e outra muito melhor parece surgir: mais informada, mais atenta e humana. A Universidade tem a tarefa maravilhosa de formar e informar estes jovens, e o grupo Estudos Literários Magrebinos Francófonos quer contribuir de perto, de muito perto, com estas luzes sobre o mundo médio oriental, tão presente no Brasil! Afinal são nove milhões de sírios vivndo aqui, 12 milhões de libaneses vivendo em nosso solo, sem contar os palestinos, egipcios, jordanianos, marroquinos, argelinos, enfim...
Segue o vídeo sobre a conferência. Espero que aproveitem e possam estar conosco nas próximas atividades do Grupo.
Cordialmente
Cláudia Falluh Balduino Ferreira





terça-feira, 14 de abril de 2015

"A situação da Síria atual"

Caros leitores, 
Esta é uma ocasião especialíssima para nós, daqui do outro lado do Atlântico, conhecermos a situação da Síria -  este país querido e em guerra, com outros olhos que não o de uma certa mídia viciada e tendenciosa. 
Estão todos convidados para a conferência do Exmo. Sr. Embaixador da Síria, Dr. Ghassan Nseir, na Universidade de Brasília
Não se sente literatura sem sentir o mundo.
Cordialmente
Cláudia Falluh




quinta-feira, 5 de março de 2015

A literatura árabe face ao terror. Receitas de agoniar.

Biblioteca iraquiana destruída.





Nada de novo sob o céu, nada de novo na literatura árabe. Muitas foram as fogueiras que torturaram bibliotecas: das vaidades, de Alexandria, agora de Mossul entre outras... Mas os homens prosseguiram...
Permeada desde a noite dos tempos pelos conflitos humanos, a literatura médio oriental está assentada sobre um mundo que não consegue jogar âncoras nos subsolos da terra e firmar aí definitivamente seus contornos absolutos e intocáveis. Ao contrário, a massa movente das regiões árabes, desde os países do Golfo Pérsico profundo até as falésias do Atlântico, onde o Atlas marroquino mergulha suas bases no poente e a cada século retraça as fronteiras  a régua ou a sangue, tem como companheira fiel a literatura. 
A única lealdade do homem é a palavra poética. Mas são tantos mortos, quem pára para pensar nos livros e na literatura sob os escombros?
A única estrutura que não se desvencilha dos tremores insurgentes das mãos dos facínoras da história é a literatura.
Muitas vezes secreta, resguardada em seus laboratórios ocultos onde os poetas compõem, ela virá a tona muitos anos depois, resguardada que estava das garras dos regimes políticos que calaram sua expressão maior.
Outras vezes ela jaz sob os escombros dos monumentos ancestrais da humanidade, como as atuais ruínas de Nínive, e calam-se aí os poetas iraquianos, muito frágeis para levantar a lage, qual lápides, sobre suas pobres cabeças atordoadas de história e de destruições.
 Mas a literatura não perdeu a vida. Não. Ela vive e respira fragilmente, como vive a literatura síria atual, apesar da catastrófica onda de terror que submerge seus ícones de bizâncio, seus panteões Sumérios manchados doravante pelo sangue das crianças, seus portais e colunatas e eremitérios que não remetem mais à ancestral Palmira ou aos lagos calmos de Bosra, ou aos cumes de Maalula, mas sim, à realidade pungente de uma dor contemplada pelo mundo. E mundo incapaz e também covarde, inepto e cúmplice sardônico dos vassalos do ódio, de fazer algo rumo ao soerguimento de uma cultura, de uma nação, de um povo mergulhado no caos que de certa maneira, vimos nascer sem arrancá-lo pelas raízes. Mas o tempo não aparagá a história.
Daqui do Brasil, contemplo impotente este mundo torturado e em estertores, este mundo árabe que amo, principalmente o mundo sírio, desejando fantasiosamente ver voltar o espírito de Salah u-Din, talvez evocá-lo, talvez incorporá-lo e sair em busca da justiça com um magnífico exército de 'mujahidins' devotos e audazes, corajosos e sensíveis. Qual... Aqui jazo também, espectadora do indizível, respirando com dificuldade os ares do tempo e acreditando piamente, quase desfalecendo, que a coragem e a vergonha do mundo acabaram-se. Estão para sempre jazendo (palavra nítida) em uma fossa comum, sob a  pá de cal do imperialismo e da desonra.

sábado, 7 de fevereiro de 2015

Adeus a Assia Djebar

                 
“Eu escrevo como tantas outras mulheres escritoras argelinas, com um sentido de urgência, contra a regressão e misoginia”. Assia Djebar (1934-2015)

            Faleceu ontem, sexta, dia 6 de fevereiro a grande escritora argelina Assia Djebar. Romancista e historiadora (feliz união que parece contemplar as escritoras do Magreb...) ela tinha 78 anos e era pioneira em várias frentes. Assia Djebar foi a primeira argelina e a primeira muçulmana a integrar a École Normale Supérieure de Sévres e em 1955 foi eleita para a Academia Francesa em julho de 2005, tornando-se a primeira personalidade do Magreb a entrar para a prestigiada instituição. Já era membro desde 1999 da Academia Real de Língua e Literatura Francesa da Bélgica. Um brilho a menos fulge - (ou seria o contrário, nasce?) na constelação da literatura magrebina, especialmente argelina. 

          Dizem que quando nos achamos muito parecidos com nossos pais, é porque estamos envelhecendo. E o que acontece quando nossos grandes ícones também deixam este mundo? O mesmo. Temos uma prova intensa da nossa passagem e de nossa impermanência. 
            Saindo do plano íntimo onde  comentamos inutilmente o inexorável, e voltando os olhos para o macro plano das nossas muitas funções e prazeres nesta vida, dentre elas a literatura, afirmo que a jovem e fulgurante literatura magrebina também começa e envelhecer. E digo isso quando vemos perder em tão pouco tempo  nomes tão preciosos como Assia Djebar e Abdelwahab Meddeb (Tunísia 1946-2014). É bem verdade que o alcance temporal de uma existência é relativo. Frágil e forte, a vida contempla etapas e ciclos. Acompanhados da literatura, somos quase imortais, e deslizamos na linha do tempo com uma versatilidade e um à vontade que deixariam atônitos os senhores do tempo (Ricoeur ou Cronos...) como desejar nosso leitor, que também desliza pelo pêndulo. 

            Assia Djebar foi distinguida com vários prémios pela sua obra, entre eles o Prêmio Liberatur de Francfort, em 1989, o Prêmio Maurice Maeterlinck (1995), o International Literary Neustadt Prize (1996) ou o Prémio Marguerite Yourcenar (1997). 
                  
           Assim, caros leitores, se a história colonial, as influências e traumas da colonização francesa marcaram a Argélia profundamente, é, contudo,  nos meandros do imaginário das escritoras  argelinas - e apenas nele -, que sua essência encontra um lugar privilegiado de realização. A marca feminina da literatura argelina que Assia Djebar instaurou, entre outras que saudamos neste espaço,  é acompanhada de um entendimento do humano que se expressa sob a forma de uma violência veloutée, um percurso inclemente pela memória do país e da infância carregado de uma sensibilidade que privilegia a aventura feminina, estratégica e finamente arquitetada nas ondas sutis de uma imaginação liberta. 
             Fica pois aqui, o adeus a maravilhosa Assia Djebar dado pelo o Grupo brasileiro de Estudos Literários Magrebinos , da Universidade de Brasília.
                        

domingo, 11 de janeiro de 2015

Não sou Charlie. Je ne suis pas Charlie.


Estimados leitores

Nestes tempos desoladores onde unem-se em cadeia os deboches, a desinformação (ainda que se trate de mídia) os assassinatos e a comoção, publico em nosso Blog este texto muito esclarecedor do padre teólogo e historiador Antonio Piber colhido do site de Leonardo Boff. 
Boa leitura.
Cláudia Falluh Balduino Ferreira.

Eu não sou Charlie, je ne suis pas Charlie


10/01/2015
Há muita confusão acerca do atentado terrorista em Paris, matando vários cartunistas. Quase só se ouve um lado e não se buscam as raízes mais profundas deste fato condenável mas que exige uma interpretação que englobe seus vários aspectos ocultados pela midia internacional e pela comoção legítima face a um ato criminoso. Mas ele é uma resposta a algo que ofendia milhares de fiéis muçulmanos. Evidentemente não se responde com o assassianto. Mas também não se devem criar as condições psicológicas e políticas que levem a alguns radicais a lançarem mão de meios reprováveis sobre todos os aspectos. Publico aqui um texto de um padre que é teóloogo e historiador e conhece bem a situação da França atual. Ele nos fornece dados que muitos talvez não os conheçam. Suas reflexões nos ajudam a ver a complexidade deste anti-fenômeno com suas aplicações também à situação no Brasil: Lboff
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Eu condeno os atentados em Paris, condeno todos os atentados e toda a violência, apesar de muitas vezes xingar e esbravejar no meio de discussões, sou da paz e me esforço para ter auto controle sobre minhas emoções…
Lembro da frase de John Donne: “A morte de cada homem diminui-me, pois faço parte da humanidade; eis porque nunca me pergunto por quem dobram os sinos: é por mim”. Não acho que nenhum dos cartunistas “mereceu” levar um tiro, ninguém o merece, acredito na mudança, na evolução, na conversão. Em momento nenhum, eu quis que os cartunistas da Charlie Hebdo morressem. Mas eu queria que eles evoluíssem, que mudassem… Ainda estou constrangido pelos atentados à verdade, à boa imprensa, à honestidade, que a revista Veja, a Globo e outros veículos da imprensa brasileira promoveram nesta última eleição.
A Charlie Hebdo é uma revista importante na França, fundada em 1970, é mais ou menos o que foi o Pasquim. Isso lá na França. 90% do mundo (eu inclusive) só foi conhecer a Charlie Hebdo em 2006, e já de uma forma bastante negativa: a revista republicou as charges do jornal dinamarquês Jyllands-Posten (identificado como “Liberal-Conservador”, ou seja, a direita europeia). E porque fez isso? Oficialmente, em nome da “Liberdade de Expressão”, mas tem mais…
O editor da revista na época era Philippe Val. O mesmo que escreveu um texto em 2000 chamando os palestinos (sim! O povo todo) de “não-civilizados” (o que gerou críticas da colega de revista Mona Chollet (críticas que foram resolvidas com a demissão sumaria dela). Ele ficou no comando até 2009, quando foi substituído por Stéphane Charbonnier, conhecido só como Charb. Foi sob o comando dele que a revista intensificou suas charges relacionadas ao Islã, ainda mais após o atentado que a revista sofreu em 2011…
A França tem 6,2 milhões de muçulmanos. São, na maioria, imigrantes das ex-colônias francesas. Esses muçulmanos não estão inseridos igualmente na sociedade francesa. A grande maioria é pobre, legada à condição de “cidadão de segunda classe”, vítimas de preconceitos e exclusões. Após os atentados do World Trade Center, a situação piorou.
Alguns chamam os cartunistas mortos de “heróis” ou de os “gigantes do humor politicamente incorreto”, outros muitos os chamam de “mártires da liberdade de expressão”. Vou colocar na conta do momento, da emoção. As charges polêmicas do Charlie Hebdo, como os comentários políticos de colunistas da Veja, são de péssimo gosto, mas isso não está em questão. O fato é que elas são perigosas, criminosas até, por dois motivos.
O primeiro é a intolerância. Na religião muçulmana, há um princípio que diz que o Profeta Maomé não pode ser retratado, de forma alguma. Esse é um preceito central da crença Islâmica, e desrespeitar isso desrespeita todos os muçulmanos. Fazendo um paralelo, é como se um pastor evangélico chutasse a imagem de Nossa Senhora para atacar os católicos…
Qual é o objetivo disso? O próprio Charb falou: “É preciso que o Islã esteja tão banalizado quanto o catolicismo”. “É preciso” porque? Para que?
Note que ele não está falando em atacar alguns indivíduos radicais, alguns pontos específicos da doutrina islâmica, ou o fanatismo religioso. O alvo é o Islã, por si só. Há décadas os culturalistas já falavam da tentativa de impor os valores ocidentais ao mundo todo. Atacar a cultura alheia sempre é um ato imperialista. Na época das primeiras publicações, diversas associações islâmicas se sentiram ofendidas e decidiram processar a revista. Os tribunais franceses, famosos há mais de um século pela xenofobia e intolerância (ver Caso Dreyfus), como o STF no Brasil, que foi parcial nas decisões nas últimas eleições e no julgar com dois pessoas e duas medidas caos de corrupção de políticos do PSDB ou do PT, deram ganho de causa para a revista.
Foi como um incentivo. E a Charlie Hebdo abraçou esse incentivo e intensificou as charges e textos contra o Islã e contra o cristianismo, se tem dúvidas, procure no Google e veja as publicações que eles fazem, não tenho coragem de publicá-las aqui…
Mas existe outro problema, ainda mais grave. A maneira como o jornal retratava os muçulmanos era sempre ofensiva. Os adeptos do Islã sempre estavam caracterizados por suas roupas típicas, e sempre portando armas ou fazendo alusões à violência, com trocadilhos infames com “matar” e “explodir”…). Alguns argumentam que o alvo era somente “os indivíduos radicais”, mas a partir do momento que somente esses indivíduos são mostrados, cria-se uma generalização. Nem sempre existe um signo claro que indique que aquele muçulmano é um desviante, já que na maioria dos casos é só o desviante que aparece. É como se fizéssemos no Brasil uma charge de um negro assaltante e disséssemos que ela não critica/estereotipa os negros, somente aqueles negros que assaltam…
E aí colocamos esse tipo de mensagem na sociedade francesa, com seus 10% de muçulmanos já marginalizados. O poeta satírico francês Jean de Santeul cunhou a frase: “Castigat ridendo mores” (costumes são corrigidos rindo-se deles). A piada tem esse poder. Mas piada são sempre preconceituosas, ela transmite e alimenta o preconceito. Se ela sempre retrata o árabe como terrorista, as pessoas começam a acreditar que todo árabe é terrorista. Se esse árabe terrorista dos quadrinhos se veste exatamente da mesma forma que seu vizinho muçulmano, a relação de identificação-projeção é criada mesmo que inconscientemente. Os quadrinhos, capas e textos da Charlie Hebdo promoviam a Islamofobia. Como toda população marginalizada, os muçulmanos franceses são alvo de ataques de grupos de extrema-direita. Esses ataques matam pessoas. Falar que “Com uma caneta eu não degolo ninguém”, como disse Charb, é hipócrita. Com uma caneta se prega o ódio que mata pessoas…
Uma das defesas comuns ao estilo do Charlie Hebdo é dizer que eles também criticavam católicos e judeus…
Se as outras religiões não reagiram a ofensa, isso é um problema delas. Ninguém é obrigado a ser ofendido calado.
“Mas isso é motivo para matarem os caras!?”. Não. Claro que não. Ninguém em sã consciência apoia os atentados. Os três atiradores representam o que há de pior na humanidade: gente incapaz de dialogar. Mas é fato que o atentado poderia ter sido evitado. Bastava que a justiça tivesse punido a Charlie Hebdo no primeiro excesso, assim como deveria/deve punir a Veja por suas mentiras. Traçasse uma linha dizendo: “Desse ponto vocês não devem passar”.
“Mas isso é censura”, alguém argumentará. E eu direi, sim, é censura. Um dos significados da palavra “Censura” é repreender. A censura já existe. Quando se decide que você não pode sair simplesmente inventando histórias caluniosas sobre outra pessoa, isso é censura. Quando se diz que determinados discursos fomentam o ódio e por isso devem ser evitados, como o racismo ou a homofobia, isso é censura. Ou mesmo situações mais banais: quando dizem que você não pode usar determinado personagem porque ele é propriedade de outra pessoa, isso também é censura. Nem toda censura é ruim…
Deixo claro que não estou defendendo a censura prévia, sempre burra. Não estou dizendo que deveria ter uma lista de palavras/situações que deveriam ser banidas do humor. Estou dizendo que cada caso deveria ser julgado. Excessos devem ser punidos. Não é “Não fale”. É “Fale, mas aguente as consequências”. E é melhor que as consequências venham na forma de processos judiciais do que de balas de fuzis ou bombas.
Voltando à França, hoje temos um país de luto. Porém, alguns urubus são mais espertos do que outros, e já começamos a ver no que o atentado vai dar. Em discurso, Marine Le Pen declarou: “a nação foi atacada, a nossa cultura, o nosso modo de vida. Foi a eles que a guerra foi declarada”. Essa fala mostra exatamente as raízes da islamofobia. Para os setores nacionalistas franceses (de direita, centro ou esquerda), é inadmissível que 10% da população do país não tenha interesse em seguir “o modo de vida francês”. Essa colônia, que não se mistura, que não abandona sua identidade, é extremamente incômoda. Contra isso, todo tipo de medida é tomada. Desde leis que proíbem imigrantes de expressar sua religião até… charges ridicularizando o estilo de vida dos muçulmanos! Muitos chargistas do mundo todo desenharam armas feitas com canetas para homenagear as vítimas. De longe, a homenagem parece válida. Quando chegam as notícias de que locais de culto islâmico na França foram atacados, um deles com granadas!, nessa madrugada, a coisa perde um pouco a beleza. É a resposta ao discurso de Le Pen, que pedia para a França declarar “guerra ao fundamentalismo” (mas que nos ouvidos dos xenófobos ecoa como “guerra aos muçulmanos”, e ela sabe disso).
Por isso tudo, apesar de lamentar e repudiar o ato bárbaro do atentado, eu não sou Charlie. Je ne suis pas Charlie.